sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Eu fui guarda-costas de Hitler

Werwolf e Stalingrado 


Rochus Misch narra suas memórias do tempo em que foi guarda-costas do Führer e suas viagens aos QGs Werwolf e Wolfsschanze.

No meio do ano de 1942, o QG do Führer foi deslocado para a Ucrânia, na região de Vinnits(1) (hoje Vinnitsa).Aí, nesse novo local, nesse novo acampamento invadido por um frio glacial de inverno, é que Hitler passaria, com seu QG da Prússia Oriental, a maior parte de seu tempo durante muitos meses.

Quando tinha de acompanhá-lo à Ucrânia, nossa equipe do comando decolava de Berlim pouco mais de uma hora antes do Condor, onde Hitler viajava então. Uma logística que nos permitia chegar ao local justo a tempo de receber o Führer quando ele desembarcava de seu aparelho, maior e mais potente que nossos JU 52.

O QG ucraniano fora instalado numa zona arborizada. A maior parte dos alojamentos fora construída com toras de árvores. Um único bunker fora previsto para a criadagem e as pessoas chegadas ao Führer em caso de ataque aéreo. Hitler tinha seu blockhaus, um refúgio grande de madeira, com uma sala de trabalho, um banheiro, um pequeno espaço para o criado e um quarto mobiliado modestamente.

A exemplo de outros quartéis do Führer, éramos entre seis e oito membros do comando a nos revezar de modo mais ou menos flexível. Ali, também não precisávamos cuidar da central telefônica. O trabalho restringia-se essencialmente a um exercício de presença junto a Hitler. Um de nós devia estar permanentemente à disposição, em seu campo visual ou diante de sua porta, pronto para agir em qualquer circunstância, a qualquer hora do dia ou da noite. No caso, éramos nesse QG menos uma unidade de guarda-costas que um punhado de curiosos parados (Zaungäste).

O quadro, embora eu tivesse ouvido muitas críticas às instalações e ao rigor do clima, era para mim agradável. Tínhamos tempo livre e o desconforto não me incomodava. Eu estava habituado à vida no campo. Durante os momentos de inatividade, pegávamos com freqüência um carro para ir às fazendas de um vilarejo vizinho, situado a apenas dez minutos do QG. Os habitantes ainda estavam todos ali, não tendo suas casas sido evacuadas por nossas tropas. Fazíamos escambo. Eu pedia à minha futura esposa, Gerda, que me enviasse pacotes de sal e agulhas de tricô que eu trocava por óleo de girassol e, às vezes, um ganso. Eu enviava tudo no dia seguinte a Berlim num pacote que colocava no malote de nosso avião postal.

O QG ucraniano foi rebatizado de Werwolf, "Lobisomem", por Hitler. Um velho [NE: "velhos" eram chamadas as pessoas do staff de Hitler que o acompanhavam desde os primeiros dias do NSDAP] é que me explicou então essa mania que Hitler tinha de inserir em tudo o nome Wolf, "lobo". Segundo ele, a história remonta aos anos 1920, bem antes de sua tomada do poder. Hitler acabava de terminar uma importante reunião numa cidade situada em algum lugar da Alemanha. Era tarde. A equipe de seguidores que o acompanhava estava encarregada de encontrar rapidamente um hotel para que o "chefe" fosse se deitar. Receberam vários "nãos". Alguns donos de estabelecimento pretextavam falta de lugar, outros davam a entender por meias palavras não desejar, por motivos ideológicos abrigar o chefe do Partido Nacional-Socialista. Não era a primeira vez que aquilo acontecia. Nem todo mundo era simpatizante do nazismo, longe disso! Mas, naquela noite, foi demais! Um dos membros da escolta propôs simplesmente não mais usar o nome de Hitler para conseguir um quarto.

Rochus Misch é o segundo a direita


Alguém sugeriu o pseudônimo "Wolf", que teve a felicidade de agradar ao "chefe"(2). A idéia estava lançada.

Wolfsburgo,(3) a cidade da Volkswagen, foi a primeira localidade a tomar o pseudônimo do Führer. Junto veio a série dos QG, a começar pela Wolfsschlucht (a "Toca do Lobo"), situada próximo à fronteira franco-belga(4). Depois, Wolfsschanze e Werwolf, no front oriental. O nome parecia tão colado à imagem de Hitler que uma amiga, Winifred Wagner, não hesitava em chamá-lo às vezes de "Wolfi" na intimidade.

Werwolf foi, com Wolfsschanze, o QG das derrotas. Ali é que se sentiram os primeiros momentos realmente duros, os fracassos repetidos, todo aquele incessar de más notícias do front. Ali também é que os despachos caíam um atrás do outro, dando conta quase incansavelmente dos bombardeios cada vez mais pesados sobre as cidades alemãs. Duvidei. Eu tinha a impressão de que um rolo compressor abater-se-ia sobre nós, que um incêndio incontrolável avançava em nossa direção. Todavia, esses temores não eram manifestados. Pelo menos não na minha frente. No acampamento, nas aléias, nos espaços comuns, sentia-se uma tensão surda, latente, mas muito perceptível às vezes. Acontecia, obviamente, de irromperem discussões, de opiniões divergirem, de um encontro não terminar calmamente, mas nunca mais que isso.

Apesar do desastre que se anunciava e cujos contornos só conseguíamos entrever, nunca assisti a uma verdadeira crise de nervos, a uma cena histérica ou a um momento de esgotamento.

Lembro-me de uma discussão animada entre Hitler e o alto comandante da Wehrmacht. Eu não sabia do que se tratava, mas, em todo caso, estava de serviço por volta das duas da tarde e a porta da sala em que a reunião se realizava não estava completamente fechada. Quando os generais partiram, ouviu-se uma bela música no gabinete de trabalho de Hitler. Olhei pela janela e vi o Führer afundado numa poltrona, completamente concentrado na melodia e na letra da música que tocava em seu fonógrafo. Parecia esgotado, quase triste. O contraste com a discussão enérgica que acabava de acontecer momentos antes era impressionante. O camareiro saiu naquele instante do acampamento. Logo lhe perguntei como se chamava o cantor que o Führer ouvia. Ele respondeu tratar-se de Joseph Schmidt!(5)
Rochus Misch mais ao fundo da imagem
Nos primeiros dias do outono, Hitler ausentou-se de Werwolf para uma curta estada em Berlim (6). Pouco antes dessa partida, cuja data não me lembro, assisti a uma cena talvez reveladora desse comportamento quase sempre contido e às vezes glacial que o Führer podia adotar (7). Nesse dia, ele estava na área externa, não longe de sua cabana. Lia umas notas, em pé, embaixo de uma árvore, protegido do sol. Fazia calor. Ao lado dele, a alguns metros, estava um de seus ordenanças, Fritz Darges. Esse antigo ajudante-de-ordens de Martin Bormann aguardava pacientemente, mãos atrás das costas, que Hitler lhe dissesse alguma coisa. Quanto a mim, eu não estava muito longe, como de hábito. Uma mosca veio perturbar a leitura do Führer. Começou a voejar em volta dele. Visivelmente irritado, Hitler agitou o maço de folhas para tentar afastá-la, em vão. A mosca voltava sempre. Fritz Darges então começou a sorrir. Um leve ríctus lhe atravessava o rosto. Ele não mudara de posição, continuava com as mãos atrás das costas, a cabeça reta, mas fazia o maior esforço para conter o riso. Hitler viu isso. Disparou-lhe num tom que não podia ser mais seco:

- Se não é capaz de manter um bicho desses longe de mim, significa que não preciso de um ordenança desses!

Hitler não lhe disse que ele estava demitido, mas Darges compreendera. Fez as malas horas depois. Acredito que foi enviado para o front.

Stalingrado

Hitler deixou a Ucrânia para voltar ao QG da Prússia Oriental(8). Esteve poucos dias ali antes de uma curta estada na Bavária (9). Dali, decidiu voltar de trem especial à Toca do Lobo, acompanhado de seu estado-maior geral. Não se falava em outra coisa senão da batalha de Stalingrado. As ofensivas soviéticas forçavam cada vez mais as nossas linhas e os primeiros frios do inverno não anunciavam nada de bom. Dia a dia, a situação parecia degradar-se inexoravelmente.

Eu estava de serviço certa manhã, de guarda diante do alojamento de Hitler. Ele acabava de tomar o café-da-manhã, sozinho em sua mesa. Bussmann, seu camareiro, saiu então da sala para me pedir que fosse buscar o general Paulus, que se encontrava no QG (10).

- Ele pode vir agora falar com o chefe - disse.

Fui primeiro ao alojamento de Keitel, onde ele não estava. O ordenança do marechal ali presente aconselhou-me a procurar no Casino. Fui, cruzei com o criado de Paulus, que me disse que seu patrão estava disponível. Apresentei-me então diante desse general de quem tanto se falava e pedi-lhe que fosse ao alojamento do Führer com estas poucas palavras:

- Herr general Oberst, queira me acompanhar, o Führer o espera.

Naquele dia, a temperatura baixara ligeiramente. Paulus usava um capote comprido que lhe chegava quase aos tornozelos. Acompanhei-o até a porta do bunker de trabalho do Führer. Bussmann, com quem eu me dava bem, estava lá dentro e cuidava do serviço. Ouviu tudo. A intervalos mais ou menos regulares, saía da sala e vinha me contar o que era dito ali.

Hitler e Paulus estavam sentados à mesa. A conversa entre eles durou cerca de 45 minutos. Não havia estenógrafo. Paulus teria inicialmente informado sobre a situação que predominava em Stalingrado. Em seguida teria defendido longamente a idéia de uma retirada de suas tropas da cidade para irem ao encontro do exército de Kleist reunido no Cáucaso. O Führer, que sempre se opusera a tal opção, naquela manhã acabou aderindo aos argumentos do general.

- Eles acabam de discutir sobre uma retirada estratégica do front oriental garantiu-me Bussmann de viva voz. - Concordaram sobre este ponto.

Bussmann até frisou ter ouvido Hitler afirmar que era preciso recorrer a tal retirada "bem depressa, senão será tarde demais". Ao meio-dia, os dois encerraram a discussão para irem à reunião militar diária, que começou com atraso, pouco depois de meio-dia e meia. Todos os chefes do estado-maior estavam presentes: Keitel, Jodl, Göring, o almirante Raeder ou talvez até ainda Dönitz, Warlimont e Zeitzler. Difícil citar todos de cabeça.

Fiquei diante do acampamento até por volta das duas. Depois que um colega me rendeu, devo ter dado um pequeno passeio antes de ir sentar-me no Casino, lá pelas quatro horas. Dali,pude ver que a reunião ainda não acabara. Só às seis, os primeiros participantes foram vistos saindo da sala. Alguns deles escolheram instalar-se para comer e beber alguma coisa. Puseram-se a falar. Logo compreendi que os dois campos se opuseram desde o início da tarde. De um lado, Göring defendia a idéia de que era necessário, a todo custo, segurar as posições, sobretudo não deixar o Volga, "artéria vital da URSS" segundo seus próprios termos. De outro, Paulus incansavelmente pedia autorização para abandonar o mais depressa possível as posições que ocupava em Stalingrado com seu VI Exército. Após algumas horas de debate intenso, Hitler mudou radicalmente de opinião e ficou do lado de seu comandante-em-chefe da Luftwaffe. Os argumentos de Göring, segundo os quais a ocupação da parte sul do Volga impediriam Stalin de ter acesso às reservas petrolíferas do mar Cáspio e, portanto, de continuar a guerra, ao que parece, terminaram por convencer o Führer. Ficou decidido que as tropas alemãs não cederiam nem um centímetro. As rotas estratégicas deveriam continuar em suas mãos, como único meio de assegurar a vitória final (11).

Paulus nada deixou transparecer ao sair da reunião. O general, como de hábito, foi econômico nas palavras e sóbrio nos gestos. Tinha a cara fechada, a expressão grave, mas não estava abatido. Embarcou imediatamente em seu carro e foi para o QG da Wehrmacht, situado não longe dali, na floresta de Mauerwald.

As semanas que antecederam a queda de Stalingrado foram penosas. A cada dia, nos quartéis da Wolfsschanze, a tensão era um pouco maior. Tanto que o anúncio do fim dos combates não me marcou a ponto de eu me lembrar disso (12). A agonia do exército de Paulus afetou nossos espíritos o tempo todo.

Hitler nada demonstrou. Externamente, pelo menos. Segundo o que pude ver, o Führer não modificou em nada seu comportamento nem seus hábitos nesse período. Parecia sempre igualmente seguro de si, parcimonioso em confidências e decidido (13). Os momentos de solidão e isolamento, esses períodos cada vez mais longos passados a sós na sala ou no gabinete de trabalho de seu alojamento, decerto aumentavam, mas já se percebia essa tendência no ano anterior. Só suas viagens à Alemanha ficaram mais raras.

NOTAS


(1) A decisão de aproximar do front o QG do Führer foi tomada no fim de junho.
Hitler esteve lá pela primeira vez a 16 de julho, voando diretamente da Wolfsschanze, na Prússia Oriental. Esse QG situa-se 200 quilômetros a sudoeste da cidade de Kiev.

(2) Em 1919-1920, Hitler teria escolhido responder ao nome de "Wolf" quando trabalhava como informante para o Reichswehr. Gostava de se chamar dessa maneira porque esse pseudônimo evocava força e teria uma vaga sonoridade próxima com Adolf.

(3) Cidade da Baixa Saxônia, fundada em 1938 pela reunião de diversas comunas para alojar os operários das fábricas de automóveis.

(4) Início de junho de 1940. Hitler desloca seu QG de Euskirchen (Felsennest, "Ninho de rochas") para Bruly-de-Pêche (não longe de Bruxelas).

(5) Tenor lírico nascido em 1904 na Romênia, de pais judeus ortodoxos. Começou como cantor do ritual judaico. Estudou canto em 1925 em Berlim, onde logo se tornou uma celebridade dos programas radiofônicos. Reconhecido e apreciado na Alemanha por seu timbre de voz excepcional e seus primeiros papéis em filmes musicais, fugiu da Alemanha nazista em 1933. Seus discos todavia foram vendidos em bancas de discos na Alemanha até 1938. "O pequeno homem da grande voz" morreu em 1942, num campo de refugiados na Suíça.

(6) De 28 de setembro a 4 de outubro de 1942.

(7) Nenhuma data mais precisa pôde ser encontrada.

(8) Em 1º de novembro de 1942.

(9) De 8 a 22 de novembro, Hitler esteve em Munique e passou alguns dias no Berghof.

(10) Em 19 de novembro, as forças soviéticas iniciam sua ofensiva em torno de Stalingrado, ocupada em parte pelos soldados alemães. Em 25 de novembro, o VI Exército do general Friedrich Paulus encontra-se inteiramente cercado.

(11) Göring assegurara também que era possível apoiar as tropas de Stalingrado pelo ar apesar das péssimas condições climáticas. O que se verificou totalmente irrealista.

(12) A 31 de janeiro, Paulus capitula. A 2 de fevereiro de 1943, a última tropa de soldados depõe as armas. No dia 3, a notícia está na primeira página dos jornais. O país está profundamente abalado. Reações na Alemanha citadas em Kershaw.

(13) As convicções das pessoas chegadas a Hitler no início desse ano de 1943 são citadas por Below em seu livro.

Fonte deste artigo: Misch, Rochus. Eu fui guarda-costas de Hitler. Objetiva, 2006.
http://www.grandesguerras.com.br/relatos/text01.php?art_id=137

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Caso Sorge

Um selo com a foto de Richard Sorge



Em janeiro de 1965, informações periódicas, que passaram inteiramente despercebidas, comunicavam à opinião pública que as autoridades russas haviam condecorado três integrantes do grupo de espionagem de Richard Sorge. Era a primeira publicação que reconhecia na Rússia, oficialmente, a existência do célebre personagem.

Richard Sorge, o mais assombroso espião de todos os tempos, nasceu em Baku, Rússia, em 4 de outubro de 1895. Filho de um alemão e de uma russa, educou-se na Alemanha e foi, culturalmente, um alemão.

Sorge tomou parte na Primeira Guerra Mundial, sendo ferido várias vezes. O contato com a guerra e o pós-guerra o levaram ao comunismo, no qual ingressou em 1919, em Hamburgo. Em 1924 foi enviado à Rússia, país em que permaneceu até 1927, quando partiu para a Inglaterra. Ali, então, começou sua carreira de espião a serviço da União Soa:ótica. Os agentes russos, nesta época, eram recrutados entre os militantes dos grupos partidários de cada país. Sorge, imediatamente, propôs uma mudança total no sistema, propiciando o recrutamento de indivíduos alheios à organização partidária. O departamento militar russo que se encarregava da espionagem, o chamado IV Bureau, foi informado da intenção de Sorge e, imediatamente, aceitou-a. O nome Sorge, lentamente, começava a ser conhecido nos mais íntimos círculos da espionagem soviética.

Em 1930, Richard Sorge chegou a Xangai, como representante da revista Soziologisches Magazine, mas sua verdadeira missão consistia em organizar uma rede de espiões e exercer sua direção. Devemos destacar os três princípios fundamentais sobre os quais Sorge exerceu suas atividades: 1) No grupo não devia haver nenhum russo; 2) Os integrantes do grupo não deviam manter contato com o comunismo local, e 3) Os membros do grupo não deviam conhecer-se.

Em 1932, Sorge foi para Moscou e ali recebeu ordens para organizar uma nova rede de espionagem. A tática soviética de organizar vários grupos de espionagem - independentes e destinados a sobreviver à perseguição dos serviços de contra-espionagem - despontava. Em 1933, Sorge viajou a Berlim, onde desempenhou, sob disfarce, suas atividades. Na Alemanha foi nomeado correspondente, em Tóquio, do Frankfurter Zeitung, do German Kurier, da Teknische Rundschau e do Armsterdam Handelsblatt. Paralelamente, filiou-se ao Partido Socialista Nacional, que acabava de ascender ao poder. Misteriosamente, Sorge ingressou no partido nazista e sobreviveu a numerosas "limpas" de elementos indesejáveis. Há somente uma explicação lógica: a esquivança do espião russo, que, dessa maneira, passara despercebido. Por fim, Sorge partiu para o Japão, via Estados Unidos e Canadá. Chegou finalmente a Iocoama, em 6 de setembro de 1933, e, imediatamente, relacionou-se estreitamente com a colônia alemã e seu representante diplomático. Sua "lealdade" à Alemanha e ao regime lhe valeu, em 1939, a nomeação de adido de imprensa da embaixada alemã... Depois de sua chegada a Tóquio, Sorge começou a organizar o grupo de espionagem que trabalharia sob suas ordens. Foram então recrutados Branko Vukelich, jornalista iugoslavo que vivia em Paris; Yotocu Miyagi, um nativo de Okinawa, radicado na Califórnia, e outros mais. O círculo fundamental ao redor do qual girava Sorge e sua organização estava integrado dos mesmos e mais quatro pessoas: Ozaki, Vukelich, Stein e Klausen. Sorge tratava, habitualmente, com todos eles, mas, em linhas gerais, sua relação era maior com Ozaki, Vukelich e Miyagi. Cada um dos integrantes básicos do grupo tinha, por sua vez, seu próprio círculo.

Sorge, depois de lançar as bases da organização, começou a fortalecê-la com uma sólida infra-estrutura; organizou, paulatinamente, seu sistema de agentes, comunicações e correios. Finalmente, com a maquinaria perfeitamente ajustada, o grupo Sorge pôs-se em marcha. Entre 1933 e 1941, o grupo mandou à Rússia uma prodigiosa informação. Em 1939, Sorge informou à União Soviética que a Alemanha havia proposto uma aliança militar dirigida contra ela, mas que o exército e a marinha do Japão se opuseram. A União Soviética, ao ser informada do rechaço japonês à proposta alemã, conseguiu finalmente firmar um pacto com Hitler, que garantiu aos soviéticos a fronteira do leste e determinou a desaparição da Polônia.

Richard Sorge
O ano crucial de Sorge e seu grupo foi 1941. Em abril deste ano, Sorge informou a seus superiores que a Alemanha atacaria a Rússia em maio. Pouco depois, declarou que o ataque seria em 20 de junho (a invasão começou efetivamente, em 21 de junho de 1941). Estava para acontecer um fato que seria vital para a Rússia: a intervenção do Japão no conflito. Isto era particularmente importante, pois, se não houvesse esta intervenção, as forças russas no Extremo Oriente poderiam ser transladadas para a frente européia. A informação foi irradiada, finalmente, por Sorge: o Japão não atacaria a Rússia...

Os espiões, até este momento, operavam livremente, parecendo que não seriam descobertos. As operações eram realizadas com precauções extremas. Porém, um dirigente comunista japonês os entregou à polícia em 1944. Detido. Ito Ritsu informou à polícia japonesa que uma mulher, sua conhecida, era membro do Partido Comunista. A polícia localizou imediatamente a mulher citada e a deteve; ela, então, confessou suas relações com outros comunistas. Várias prisões foram feitas rapidamente. Miyagi foi detido em 10 de outubro; Aquiyama e Cuzumi, no dia 13; Ozaki, no dia 15, e, finalmente, no dia 18, foram presos Sorge, Klausen e Vukelich. Trinta e cinco pessoas implicadas caíram em poder da justiça japonesa.

Finalmente, apesar da reputação de severidade dos tribunais japoneses, apenas 19 pessoas foram sentenciadas; somente duas foram condenadas à morte: Sorge e Ozaki, que foram enforcados em 7 de novembro de 1944. Assim terminou a vida de Richard Sorge, talvez o mais famoso dos espiões russos.

Fonte: http://adluna.sites.uol.com.br/400/499-09.htm

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Memórias de um artilheiro antiaéreo russo

O artilheiro se chama Gennadii Shutz
Sargento Gennadii Shutz,  1942.
Eu tinha 17 anos em junho de 1941. No dia 18, tínhamos tido nossa cerimônia de formatura, e no dia 22 um jogo de futebol entre nosso distrito, em cujo time eu jogava, e o distrito vizinho. Estávamos perdendo. Então meu irmão veio correndo e grita: "Genka, a guerra começou!". Eu disse: "Que guerra? Você não está vendo que estamos perdendo!" E depois naquela noite no clube, onde víamos um filme, inesperadamente a tela foi recolhida e uma plataforma puxada para frente. Um trabalhador qualquer do comitê do distrito falou para nós com um discurso de que a guerra tinha começado e pediu que todos os membros do KOMSOMOL se apresentassem ao comitê distrital do Partido. Fomos para lá durante a noite. Preenchi um formulário e pedi para ser enviado para a frente como um voluntário, mas como eu tinha nascido em '24, [classe] que ainda não devia ser recrutada, eles me enviaram para colher feno para o exército ao invés de ir para a frente. Me colocaram na chefia de 13 garotas, que não podiam fazer quase nada - de forma que corria de uma para outra: "Genka, conserte a foice!" Genka, minha foice está presa em um monte de terra! Genka, afie minha foice!" Estava exausto com elas.

Naquele mesmo verão, me matriculei no Instituto Ferroviário de Tomsk. Eu estudei apenas um mês no instituto e então eles nos enviaram para casa. Em janeiro de 1942, quando tinha feito 18, fui recrutado. Eles enviaram todo nosso grupo de recrutas para Moscou, onde fomos colocados em um tipo de campo de seleção, que ficava em Izmailovo. Quando nosso grupo chegou, um sargento-mór se aproximou de mim e perguntou: "Quantas séries você concluiu?" Eu disse: "10". Ele: "Você sabe trigonometria?" "Sim". "Quer se tornar um artilheiro antiaéreo?" Eu disse: "Com prazer!" E assim, em 10 de abril de 1942, fui colocado em uma bateria de artilharia antiaérea de pequeno calibre. Disseram que nos treinariam até agosto. No começo de junho recebemos nossos canhões antiaéreos - canhões de 37 mm modelo 1939, com uma cadência de fogo de 160 tiros por minuto. Mas na verdade, depois de 75-100 disparos eles aqueciam tanto que emperravam.

O comandante da bateria designou nossos deveres e me tornei um telemetrista. Na verdade, a percepção estereoscópica, isto é a habilidade de diferenciar distâncias para objetos e determinar sua distância relativa, é muito subjetiva. O teste era extremamente simples: o comandante apontava para uma árvore e um mastro, que estavam a cerca de 800 metros de nós, e perguntava qual estava mais distante. Por eu ter respondido corretamente, me tornei o telemetrista. Naquele momento, nossa bateria era composta de quatro canhões, que eram colocados como se fossem os vértices de um quadrado com lados de 100-150 metros. O posto de comando ficava localizado no centro do quadrado e consistia de trincheiras individuais para o observador, o telemetrista e o comandante. O comandante da bateria e os canhões estavam ligados por comunicações por telefone. Na verdade, durante o combate, não havia possibilidade de dar comandos de voz por causa do ruído das salvas, foi por isso que desenvolvemos um sistema de sinais pré-fixado.

A bateria funcionava da seguinte forma. O observador, equipado com binóculos, depois de ter localizado aviões inimigos se aproximando, determinava seu número. Numa situação ideal isso era possível de ser feito a cinco quilômetros de distância. Eu, o telemetrista, determinava a distância para o alvo e continuamente informava o comandante a respeito de mudanças. Por sua vez, o comandante designava os alvos entre os canhões e escolhia o momento de disparar e o tipo de fogo - tiros simples, rajadas curtas ou longas. Rajadas longas eram usadas contra alvos voando baixo. Disparávamos usando granadas de alto-explosivo comuns. Naturalmente, também recebíamos granadas perfurantes, mas elas eram raramente usadas e somente para disparar contra alvos em terra. Uma tripulação de canhão era composta de 8 homens - chefe de peça; dois artilheiros, números 1 e 2; telemetrista [número 3]; observador para direção e velocidade do vôo do alvo; municiador e dois serventes municiadores (se o fogo fosse conduzido em rajadas longas, então um homem só não era capaz de manter o ritmo, os carregadores desapareciam como se fossem para um moedor de carne). O número 1 apontava o canhão na vertical até que a linha horizontal no colimador ficasse por cima do alvo, o número 2 na horizontal, até que a linha horizontal do colimador ficasse por cima do alvo, o número 3 regulava a distância e velocidade do alvo, que eram comunicadas pelo comandante da bateria, o observador, girando a manivela, tentava adivinhar a direção do avião, o chefe de peça, depois de ter determinado que o alvo tinha sido enquadrado, reportava-se ao posto de comando e, sob as ordens do comandante da bateria, o número 2 abria fogo. Contudo, artilheiros experimentados normalmente apontavam usando granadas traçadoras. Esta habilidade foi desenvolvida durante os constantes exercícios entre os ataques aéreos ou durante serviço de sentinela (um canhão estava sempre de sentinela na bateria).

Assim, voltando para 1942, nós nem tivemos tempo de terminar de dominar os canhões, quando uma ordem chegou a respeito de nossa transferência para a frente. No começo de julho, nosso 241º Regimento de Artilharia Antiaérea, composto de 4 baterias e 2 companhias de metralhadoras, armadas com DshK´s, foi transferido para a frente de Voronezh. Estávamos estudando os canhões mesmo nos vagões ferroviários e uma vez, durante uma seção de treinamento, os artilheiros dispararam um tiro que quase matou nosso comandante de bateria - a granada passou por cima da cabeça dele. Na estação de Serebriannye Prudy fomos bombardeados pela primeira vez. Dei um pulo de ponta cabeça nos arbustos mais próximos e fiquei ali tremendo de medo até que os aviões partiram. E já na estação de Anna recebemos nosso verdadeiro batismo de fogo.

Até o final do verão, continuamos retrocedendo com as forças de terra até que a frente se estabilizou no rio Don, em cujas margens ficamos estacionados até o começo da contra-ofensiva. Era um tempo difícil. A munição era escassa. Éramos mal alimentados - para a primeira e segunda refeição, uma sopa rala ou mingau de grãos de trigo integral, ou ervilhas cozinhas na hora em óleo de algodão usbesque, que parecia ferrugem. Uma vez não tivemos até mesmo sal - isto foi uma verdadeira tortura. Fomos alimentados dessa forma por cerca de um mês.

Este foi o último ano em que os alemães tentaram combater de acordo com um programa. Eles quase nunca bombardeavam a noite, mas os raids de sua aviação começavam na manhã. O calor era escaldante - oito e meia da manhã, calor, fedor, o primeiro grupo de bombardeiros vinha. Eles nos bombardeavam e à infantaria. Em 30-40 minutos, é o segundo grupo. Depois o terceiro ataque de bombardeio, se eles tivessem feitos ataques bem sucedidos, todos estaríamos enegrecidos de fuligem e poeira.

Capitão Gennadii Schutz, 1945.
Depois de um desses ataques, o komsorg (organizador do KOMSOMOL, trad.) do regimento foi ferido e o departamento político me nomeou komsorg interino. Sempre que tinha um minuto livre, eu visitava nossas baterias, falava a respeito da situação na frente e acerca das ações de nossos aliados. Os homens eram na sua maior parte analfabetos - toda nossa bateria só tinha dois homens com educação secundária, e o resto ou sete anos ou quatro séries. Naturalmente você tinha que falar com eles. Afinal das contas, os alemães também faziam sua própria propaganda - jogavam folhetos. Me lembro bem de alguns deles. O primeiro, este folheto de duas páginas no formato A4, em papel rascunho. Havia um círculo cortado na primeira página, de forma que as armas nacionais soviéticas podiam ser vistas na terceira página. Quando você o abria, havia uma legenda abaixo das armas nacionais: "martelo na esquerda, foice na direita, estas são nossas armas nacionais soviéticas. Colha se você quiser ou martele se você quiser, mas você ainda conseguirá" e três pontos (para qualquer pessoa que fale russo, a rima óbvia é uma palavra vulgar para o órgão sexual masculino, que neste caso significaria "você não conseguirá nada" - trad.). Isso era uma baixaria, naturalmente. Aparentemente os alemães estavam informados que tínhamos falta de papel e que não tínhamos mesmo nada com que enrolar um cigarro, de forma que o segundo folheto foi especificamente impresso em papel de cigarro, na esperança que os soldados o usassem para cigarros e os lessem ao mesmo tempo. Ele dizia: "somente Timoshenko com Yids os heróis querem a guerra. Você bate em retirada somente porque Stalin matou os 130 mil melhores comandantes e oficiais políticos". Ou havia um folheto mostrando como viviam bem alguns Ivanov, Petrov ou Sidorov que tinham se rendido. Eles eram mostrados sentados ali, tocando uma sanfona, sorrindo. Tinha que explicar que tudo aquilo era mentira.

Quando a ofensiva de Estalingrado começou, tínhamos chegado nas vilas cossacas de Kantimirovka e Buturlinovka. Durante a ofensiva, nossa vida também não era muito doce - nosso canhões eram puxados por jipes Willys que conseguiam lidar bem com o terreno plano. Mas quando dirigindo morro abaixo, um canhão com cunhetes de granadas carregados nele tentava empurrar o carro para fora da estrada. Somente em 1944 recebemos Dodges de 3/4 e então Chevrolets de dois eixos e "Studbaker US 6x6", que normalmente puxavam dois canhões. Mas lá no início somente o Willys podia nos levar.

Depois do fim da batalha de Estalingrado, fui enviado para uma escola de artilharia em Tomsk e então para Irkutsk, onde eu terminei o curso. Já no final de 1943, me achei em Leningrado. Uma pequena locomotiva a vapor "ovechka" ("carneiro" em russo, vem do nome da locomotiva - "OV" - trad.) de antes da revolução nos trouxe, tendo voado a toda velocidade pelo corredor da brecha aberta entre Volkhov e Leningrado em '43. Do ponto de transferência fui enviado para a 32ª Divisão, onde fui encarregado de um pelotão (2 canhões). Naquele tempo aconteceu um acréscimo nas unidades de artilharia e nossa 32ª Divisão de Artilharia Antiaérea RGK (RGK - reserva do comando em chefe - trad.) tinha 4 regimentos, destes, 3 regimentos (1.387º, 1.393º e o nosso, 1.413º) eram MZA (artilharia antiaérea de pequeno calibre) e um, o 1.387º Regimento era SZA (artilharia antiaérea de médio calibre), armado com canhões de 85 mm. A reorganização também envolveu as baterias - elas agora continham 6 peças de artilharia. Os canhões numa posição eram agora arranjados em um hexágono, com a distância entre eles sendo de 150-200 metros. Isto de acordo com o manual, mas numa situação de combate as vezes usávamos arranjos diferentes, por exemplo em linha, quando guardando colunas.

Atacamos no mês de janeiro. Liberamos Gatchina e quase alcançamos Pskov. Durante a ofensiva, o regimento cobriu a 46ª Divisão de Fuzileiros de Luga. Já em Pskov, fui nomeado comandante de bateria. Me lembro do dia da nomeação muito bem. Foi no começo de fevereiro. Tinha acabado de chegar na 4ª Bateria, que tinha sido colocada sob meu comando e fui encontrar o pessoal. Naquele tempo a bateria, com os serviços auxiliares, consistia de 84 homens. Somando-se a isso, os comandantes de pelotões eram todos tenentes, enquanto eu era um 2º tenente (sic). Basicamente, fui recebido com desconfiança. E então um ataque aconteceu: 30-35 Ju-87. Todo mundo estava me olhando para ver como iria comandar. Você pergunta se eu poderia me restringir em abrir fogo? Eu podia, mas isso era considerado como covardia entre os artilheiros antiaéreos. Tínhamos uma lei - enquanto um ataque estivesse acontecendo, ninguém, dos serventes de munição até o comandante de bateria, podia se abaixar. Você tinha que continuar cumprindo seus deveres. A coisa principal era não perder a calma. Afinal de contas, havia alguns que colocavam suas cabeças debaixo do reparo do canhão por medo. Assim, passamos por aquele batismo de fogo com sucesso. Não abatemos nada, mas espalhamos os aviões, eles não voltaram para uma segunda tentativa e nós salvamos o ponto de cruzamento. Isto era uma contribuição. Também, ninguém foi morto.

No todo, do começo de 1944 até maio de 1945, minha bateria abateu 13 aviões e pela performance estávamos em um dos primeiros lugares na divisão. Não parece muito, certo? Mas qual era nossa tarefa? Era não deixar o inimigo bombardear apontando para um objetivo que estivéssemos guardando. Claro, era ótimo abater um avião, mas isso não era a coisa principal, a coisa principal era que a infantaria, tanques, ou um ponto de cruzamento que estivessem cobertos por nós não fossem danificados em um ataque. Em Estalingrado nosso regimento abateu 100 aviões em 2 meses. Mas estes eram Ju-52, que abasteciam o 6º Exército cercado, era fácil abate-los. Mas abater um Ju-87 - isso era muito difícil. Ele era o mais pérfido e perigoso bombardeiro de mergulho que os alemães tinham. Apesar de não ser muito rápido, seu ataque era muito preciso. Era essa a razão por que o atacávamos no momento em que ele subia antes de um mergulho. Era apavorante para o piloto, ele vê que está sendo alvejado. De qualquer forma vai jogar a bomba, mas para faze-lo errar, soltar a bomba mais cedo ou muito tarde - esta era nossa tarefa. Mas quando víamos que tínhamos abatido um avião, imediatamente mandávamos um mecânico em um "Willys" para o local da queda, para pegar a placa de fabricação como prova material. Também era útil conseguir a confirmação do destacamento que estava sendo guardado. Naturalmente, acontecia de o avião cair em território inimigo, então ele só era contado se uma confirmação fosse dada. Dessa forma, para os cinco primeiros aviões eu recebi a Ordem da Estrela Vermelha, para os cinco seguintes - a Ordem da Guerra Patriótica, 2ª Classe. Também fui condecorado com as medalhas "Pela Defesa de Leningrado", "Pela Captura de Berlim" e "Pela Vitória contra a Alemanha".

De Pskov fomos transferidos para Vyborg. De novo, rompemos pelas defesas inimigas e avançamos por uma centena de quilômetros sem um problema, pensamos que poderíamos continuar, mas não - defronte a Vyborg encontramos uma forte resistência e paramos, enquanto todo o exército continuou a se mover por sua própria inércia e um acúmulo de pessoas e veículos ocorreu na rodovia de Primorskoye. Dispersei a bateria por pelotões ao longo da coluna por quase dois quilômetros. Os alemães não nos fizeram esperar. Durante o ataque, fragmentos de bombas feriram praticamente toda uma guarnição de um dos canhões. Então o chefe da peça Ermeneyev, ele próprio ferido, substituiu um artilheiro e com outro cara abateu três aviões se recuperando de um mergulho e espalhou os outros, pelo que ele foi condecorado e se tornou um Herói da União Soviética. Esta foi a história oficial. Mas, não-oficialmente, ele tinha sido ferido, mas era um ferimento leve e ele não abateu os três aviões - nos atribuímo-los a ele. Os outros também estavam atirando e os aviões caíram além da linha de frente. Mas ainda assim foi um feito heróico - ele não deixou-os bombardear a coluna, de outra forma teria sido uma bagunça.

Nos o recomendamos para uma medalha, mas não a Herói, pois para a Herói você tinha que escrever uma recomendação separada. Em 1944 tinha se decidido comemorar o dia da Artilharia no aniversário da contra-ofensiva de Estalingrado, 19 de novembro. Aparentemente, havia uma ordem de Stalin para recomendar um ou dois homens de cada tipo de unidade de artilharia para receber a Herói da União Soviética. No outono, fui chamado ao QG do regimento e me pediram para escrever uma recomendação para Ermeneyev. E assim minha bateria veio a ter um Herói.

Ali, em Vyborg, também tivemos um incidente desagradável. Durante a ofensiva me tornei amigo de um major, comandante do serviço de VNOS (Reconhecimento aéreo, alarme e comunicação). Somente garotas serviam ali e ele estava no comando delas. E assim, eles tinham um balão, como uma salsicha, no qual este major subia até uns 800 metros com um rádio para fazer observações para artiharia. E uma vez vimos um "messer" (Messerchimitt - trad.) indo até o balão a uma altitude extremamente baixa. Abrimos fogo, de forma que ele não pode passar e incendiar a "salsicha". Deve ser dito que era muito difícil atirar contra um alvo voando baixo e rápido, tudo depende do trabalho coordenado dos artilheiros, que intuitivamente escolhem o momento de disparar. E de repente vi uma das nossas granadas furar o balão. Ele explode em chamas e começa a cair. O cara que estava nele conseguiu se safar e abrir o pára-quedas quando estava bem próximo ao chão. "Bem", eu pensei, "é isso - corte marcial". E ai o comandante do nosso regimento vem em um "Willys" - um homem desagradável. Ele diz: "escreva uma recomendação, o comandante viu você abater um 'messer'". Eu digo: "que 'messer'? Eu abati nossa 'salsicha'!" Mas ele força sua própria opinião. Penso que ele queria ganhar sua própria condecoração. Mando o Willys para ver se o major estava vivo. Eles voltam com ele. Graças a Deus ele está vivo! Mas esta muito machucado - braças arranhados, abrasões no rosto. Então ele começa a me xingar! Digo: "bem, você mesmo viu - estávamos enxotando o 'messer'." Bebemos um copo de álcool com ele, fazemos as pazes e, depois, enquanto a ofensiva continuava, nos encontramos mais uma vez. Naturalmente, qualquer coisa podia acontecer na guerra. Uma outra vez atiramos contra um dos nossos caças. Foi bom que não o abatemos. Naturalmente, tínhamos um sistema de identificação, YaSS (Sou um Avião Nosso), mas era bem primitivo - vários tipos de rolagem de asas durante o dia e uma combinação de luzes de navegação a noite. Os sinais eram mudados todos os dias, o que complicava severamente o meu trabalho como comandante de bateria.

Então avançamos para o ocidente ao longo da baia de Riga. Uma vez estávamos sentados na praia, jogando cartas com algumas garotas. Então o sentinela gritou: "alvo aquático!" Olhei e vi três lanchas-torpedeiras alemães aproximando-se da praia. Ordenei um alerta e começamos a deixar que elas chegassem mais próximo, mas a 800 metros elas abriram fogo. Vi uma explosão, outra e respondemos com todos os seis canhões. Basicamente, as expulsamos e fomos terminar o jogo. Logo libertamos a cidade de Tartu. Era uma noite quente de verão quando entramos naquela cidade e tive a impressão que a guerra tinha passado ao largo dela - nenhum tiro podia ser ouvido, vestígios de combates estavam ausentes das ruas. Paramos e decidi ir pegar algumas framboesas que cresciam em um jardim em frente a uma casa. Pegando as grandes, saborosas framboesas, afastei alguns arbustos e vi uma mulher morta caída no chão. Este contraste entre a beleza e o silêncio de um lado e a morte do outro ficou impresso em minha memória para o resto de minha vida.

Cruzamos a fronteira com a Alemanha na região do rio Netze em Kostschin (Kostrzyn). Estávamos dirigindo a noite sobre o sítio das batalhas de ontem. Soldados exaustos dormiam atrás no caminhão. De repente vi um arco de madeira compensada sobre a estrada e um sinal nele em grandes letras pretas. O li e minha pele ficou toda arrepiada: "aqui está - a criminosa Alemanha". Reuni meus comandantes de pelotão. Os soldados foram acordados. Aqui, disse, estamos entrando no covil da besta fascista. Na manhã o comandante do regimento chegou. Tínhamos nos preparado de forma que um sentinela olhava tanto para o céu como para a estrada, esperando superiores. Se ele visse um "Willys" de um comandante ele também iria ordenar "Alerta!", da mesma forma que durante um ataque aéreo. O comandante pergunta: "O que você deu de alimentação para seus soldados hoje?" "Bem, mingau, como sempre" - respondo. "Sargento-mór, venha aqui. O que você deu para alimentação dos soldados hoje? "Mingau, camarada coronel." "Mingau, mingau... estive na bateria de Terekhov, eles sempre conseguem pernil, ou seja o que for. Pegue um Studbaker ou um Chevrolet e vá até uma fazenda. Pegue tudo o que eles tiverem". Deve ser dito que além do Netze a população em um raio de 20 km fugiu, abandonando os animais da fazenda a fome. Dessa forma nossos comandantes estavam nos incentivando a saquear. Mas isso parou logo depois devido à uma ordem emitida pelo Comandante da Frente Zhukov, dizendo algo como: "Somos um exército libertador, que trouxe a liberdade ao povo alemão, devemos tratar o povo alemão como se fosse o nosso próprio". Mas tente explicar isso a um simplório soldado russo, que teve parentes enforcados ou fuzilados, casas destruídas, que eles deviam esquecer de tudo de uma vez só?! Era impossível! Os homens ficaram indignados: "por que devo esquecer o que os alemães fizeram com minha terra, meus parentes?" Esta transição era muito dolorosa. Pois desde a própria Estalingrado até a fronteira alemã nos estávamos avançando sob o slogan: "Mate um alemão!" Eu ainda vejo os artigos de Ilya Erenburg em frente à meus olhos. Você deve ter em mente que os substitutos em minha bateria por aquela época eram na maioria criminosos, soltos devido à anistia. Houve um caso quando um soldado meu, um criminoso como esses, estuprou uma mulher e uma filha em um cemitério. Tive que me defender, escrever um relatório, SMERSH ("morte aos espiões", a contra-inteligência durante a guerra - trad.) ficou interessada e ele foi colocado ante uma corte marcial. Mas não houve julgamentos em massa.

Bem, então capturamos Berlim, então Magdeburgo, cruzamos o Elba e atingimos Stendal. Ali paramos e vivemos por cerca de um ano. Foi assim que a guerra terminou. 

Gravado e editado por Artem Drabkin, traduzido para o inglês por Oleg Sheremet, fotos do arquivo de G. Shutz.

Fonte deste artigo: http://www.iremember.ru/artillerymen/shutc/shutc.html
http://www.grandesguerras.com.br/relatos/text01.php?art_id=135

Abwehr - Os bastidores da espionagem



Abwehr

A guerra, como fenômeno doloroso mas inevitável, mostra duas faces diametralmente opostas: a pública, difundida pelas crônicas periódicas, e a oculta, somente conhecida por grupos selecionados de combatentes e, às vezes, por um só homem. A primeira compreende a ação a céu aberto, a luta de homens e máquinas, o bombardeio, o duelo aéreo e o assalto à baioneta; a segunda vive e se desenrola nas sombras, num silêncio só interrompido quando um homem, ou mais, cai numa ruela silenciosa, baleado na escuridão. Nesse mundo de silêncio é onde a guerra atinge o máximo de dramatismo, um dramatismo que supera o duelo aéreo ou o assalto à baioneta. Nesse mundo, os combatentes jogam sua vida numa cartada, sem nenhuma recompensa, tendo como cúmplices, apenas, um silêncio e uma obscura solidão. Nesse mundo não existem medalhas nem menções. É o mundo da espionagem.

A literatura de ficção tem familiarizado o homem moderno com a figura do espião. E o tem feito alterando fundamentalmente a verdade. A novela e o cinema têm transformado o espião num ser impassível, provido de nervos de aço e dotado de particularidades incomuns. E é aí que a verdade é alterada. Porque o espião não é senão um ser humano, com suas paixões e fraquezas. E também com seus temores, que convertem sua vida diária num longo sofrimento, que termina, invariavelmente, na morte.

O espião, no contexto de uma conflagração mundial, deve ser aceito como mais um combatente; um combatente sem a proteção das convenções e dos tratados internacionais. Para ele não há quartel nem piedade. E assim, como mais um soldado, deve ser estudado em sua trajetória e seus métodos de luta, em sua vida e sua morte, despojado das falsas auréolas de romantismo e das pejorativas definições.


O que é um espião?

Poderíamos definir o espião dizendo que é um homem, ou uma mulher, que vende ou cede informações de importância vital para um Estado. A definição, porém, seria inexata. Com efeito, a informação geralmente é obtida através de pequenos detalhes aparentemente sem importância; porém, esses dados, agrupados e complementados com muitos outros, podem chegar a configurar uma informação de máxima importância. Além disso, vender ou ceder informações implica em considerações e conseqüências diametralmente opostas. Devemos destacar que o Abwehr (Serviço de Informação alemão), em sua seção de espionagem, selecionava, especialmente, voluntários que colaboravam espontaneamente, por simpatia ou por convicções políticas; os espiões mercenários constituíam somente um reduzido grupo, pois o comando alemão achava que o melhor serviço de informação não pode ser comprado.



Como é um espião?

A literatura especializada e a arte cinematográfica têm apresentado o espião, quase sempre, como um personagem de valor infinito, que vive deslumbrantes aventuras, em hotéis luxuosos e automóveis esporte, valendo-se simplesmente de seu valor e de sua força física. Porém, a realidade não é esta.

Um espião é, sempre, um homem ou uma mulher que reúnem, invariavelmente, um valor pessoal e uma série de qualidades individuais indispensáveis ao desempenho de sua tarefa. Quais são? Primeiro, o espião deve possuir uma extraordinária memória. A mesma, inata em muitos seres humanos, pode ser encontrada em muitos outros, atingindo limites inimagináveis. Os métodos e as chaves mnemotécnicas têm especial importância. De qualquer maneira, um espião deverá estar em condições de ler duas, três ou quatro páginas de termos técnicos e repeti-los sem erros nem vacilações. Deverá, ainda, ver um rosto humano e não esquecê-lo nunca mais; para isso, aprenderá a reter em sua memória certos traços determinados, invariáveis e impossíveis de dissimular ou ocultar, e nunca o rosto em sua totalidade. Deverá, finalmente, estar em condições de receber complicadas instruções verbais e recordá-las minuciosamente. Em segundo lugar, deverá conhecer vários idiomas, além do seu. Deparará, em muitas ocasiões, com documentos que estarão redigidos em outro idioma, ou seres que falarão uma língua que pode ser-lhe estranha. Deve estar em condições de entender esta língua, ainda que não totalmente. Um profundo conhecimento de psicologia será imprescindível a um espião, pois o ajudará a prever reações alheias, o porá em guarda e evitará, inclusive, que dê passos em falso. Deverá conhecer muito bem sua zona de operações: ruas, hotéis edifícios públicos, transportes e costumes locais, expressões idiomáticas, etc. O espião deverá estar em condições de responder sem vacilar a um pedido de informação de qualquer desconhecido que o aborde em plena rua, desconhecido este que pode ser, neste caso, um agente da contra-espionagem. Deverá ser, finalmente, um ator consumado, capaz de demonstrar surpresa, dor ou alegria, segundo as circunstâncias o exijam, dominando suas emoções e aprendendo a viver em plena simulação. É necessário destacar uma qualidade que está intimamente ligada à sua profissão: o valor. O espião sabe que para ele não existem convenções internacionais nem piedade. Sabe que sua vida está por um fio. E sabe, principalmente, que ninguém, nem o governo para quem trabalha, dará um passo em seu favor. Ele sabe que está só e isto constitui seu verdadeiro drama.

Almirante Canaris, comandante do Abwehr


Espiões alemães

Em 31 de agosto de 1939, os comandos alemães viviam a excitação do momento histórico que começavam a protagonizar. Somente um alto chefe permanecera despachando em Berlim. Era Wilhelm Canaris, o homem que mais dera de si e de seus homens, até este momento, para o êxito da empresa que a Alemanha estava prestes a empreender. Seus agentes já haviam feito sua guerra, uma guerra silenciosa, subterrânea e sutil, secreta e angustiosa: a guerra da espionagem.

Quem era Canaris? Para alguns, o maior agente alemão de todos os tempos; para outros, um simples intrigante...

Canaris nasceu em Aplerbeck, perto de Dortmund, no coração do Ruhr, em 1o de janeiro de 1887, e era o mais novo dos três filhos de um engenheiro do lugar. Na Primeira Guerra Mundial serviu no Serviço de Informação, esteve no comando de um submarino e no fim do luta passou a comandar o cruzador Schlesien. Depois de desempenhar várias funções no frota alemã, em 1o de janeiro de 1935, surpreendentemente, substituiu o Capitão Konrad Potzig no chefia do Abwehr, Em 1o de setembro de 1939, ao estalar a Segunda Guerra Mundial, Canaris tinha sob seu comando cinco seções: a Seção Central, sob o comando do Coronel Hans Oster, oficial que se destacaria mais tarde como ferrenho antinazista; a Seção Estrangeira, sob o comando do Capitão Buerkner, que mantinha relações com as potências estrangeiras; a Seção II, sob o comando do Coronel von Lohousen, que era responsável pelas ações de sabotagem e outras operações secretas; a Seção III, encarregada dos serviços de segurança, contra-espionagem e contra-sabotagem, e a Seção I, que merece ser estudada detalhadamente.

A Seção I tinha a seu cargo a informação secreta originada da espionagem. Estava organizada em três subseções, pertencentes ao exército, à frota e à aviação, e, além destas, havia cinco grupos. Entre estes, o Grupo I-G, que destinava-se à criação de armas secretas, microfotografias, tintas secretas, etc.; era ali onde se falsificavam passaportes e todo tipo de documentos indispensáveis para o funcionamento da rede de espiões e sabotadores. O Grupo I-I cuidava das telecomunicações, incluindo a fabricação de equipamentos clandestinos de rádio para os agentes, e da organização de redes secretas de rádio. A Seção I, no quartel-general de Berlim, estava instalada num edifício de cinco andares e contava com pessoal relativamente reduzido. Fora dali, ao contrário, seu pessoal era numerosíssimo e integrava a rede de "homens V" (V de "Vetrauen", confiança). Na sua maioria, os homens V eram voluntários a serviço do regime nazista por simpatia ou simplesmente por patriotismo. Havia muito poucos mercenários.

A principal função do Abwehr era defender a Alemanha dos adversários estrangeiros por meio da espionagem agressiva e da contra-espionagem defensiva.

Paralelamente às funções de Canaris e de seus homens, existia na Alemanha outra organização, sob o comando direto de um jovem ex-marinheiro alemão, Reinhard Heydrich. Era o Serviço de Segurança (Sicherheitsdients) para defender a Alemanha dos inimigos internos.

O Serviço de Segurança de Heydrich estava organizado em várias seções. As Seções IV e V eram especializadas em funções policiais. A IV era a temida Gestapo, que operava sob o comando de Heinrich Mueller e destinava-se a combater todos os inimigos do regime. A Seção V era o Kriminolpolizei, ou Kripo, sob o comando de Arthur Nebe.

O Serviço de Informação e o de Espionagem concentravam-se no SD, Seções III (Nacional) e VI (Estrangeira), dirigidas por Reinhard Heydrich. A espionagem agressiva estava a cargo da Seção VI, a famosa Amt Sechs.
A Seção VI desenvolveu-se passo a passo, até converter-se num outro Abwehr no seio da Wehrmacht.

Heydrich, por sua vez, foi reconhecido como um dos mais hábeis chefes do Serviço Secreto de todos os tempos.

As atividades do Abwehr

Hans Pieckenbrock era um alemão de caráter jovial, com um aspecto exterior de comerciante próspero. Porém, sob esta capa simples e sorridente, ocultava-se a verdadeira personalidade de um coronel do Estado-Maior alemão e do chefe da Seção I do Abwehr, dedicada à espionagem. Pieckenbrock, em quem Canaris confiava cegamente, guardava em seus arquivos segredos vitais de várias grandes potências e manejava com pulso firme uma imensa rede de espiões que abarcava dezenas de países. Enfrentava, paralelamente, problemas de toda espécie que se originavam nos serviços repressivos dos citados países e ainda pressões de órgãos alemães. O Ministério de Relações Exteriores alemão, por exemplo, nos anos anteriores à guerra, empenhara-se intensamente em impedir desgastes com a Grã-Bretanha, França e Estados Unidos; isto, logicamente, perturbava profundamente as atividades da espionagem alemã. Em 1937, por ordem expressa de Hitler, o Abwehr organizou, na Inglaterra, uma rede de espionagem de grandes dimensões. Em menos de dois anos, o Abwehr organizou o serviço e completou seus arquivos com detalhes minuciosos acerca da potencialidade do exército inglês e também da RAF e da frota britânica.

Porém, o principal objetivo do Abwehr não era a Inglaterra, e sim a França. Na Seção I foi organizado um ramo especial, com o objetivo de investigar e descobrir tudo sobre as defesas da Linha Maginot. Apesar de haver perdido, nesta empresa, numerosos agentes, o Abwehr obteve, finalmente, a informação precisa dessas defesas. Foi conseguida através de oficiais franceses, comprados pelos agentes do Abwehr; um deles era o Capitão Credle, ajudante do comandante das fortificações do setor de Metz, que forneceu um plano da linha; o outro era o Capitão Forge, encarregado dos abastecimentos na Maginot, que simpatizava com o movimento nazista e cedeu sua informação aos agentes do Abwehr.

Serviço secreto de rádio na OKW(Amt Ausland-Abwehr)
O segundo objetivo importante, para o Abwehr, era a frota de guerra da França. A Seção I-M, divisão de informação naval de Pieckenbrock, reunia os informes que alimentavam uma rede de espiões especialmente adestrados. Um destes últimos era um tenente da marinha francesa, relacionado com uma agente alemã. Este tenente tinha acesso direto ao arquivo e à documentação do Almirante Darlan. Foi assim que a ordem de mobilização chegou ao conhecimento do comando alemão quatro horas antes que às bases e barcos franceses... Outro dos agentes alemães - neste caso, da força aérea francesa - era um capitão da aviação francesa, colaborador de Pierre Cot, Ministro do Ar. Como muitos outros, tornara-se traidor devido a uma agente alemã. Nem todos os espiões alemães, porém, arriscavam suas vidas a troco de dinheiro ou sob a influência de uma mulher mais ou menos atrativa. Como já se havia dito, o serviço de espionagem alemão preferia, acertadamente, aqueles agentes que colaboravam por patriotismo ou simpatia pelo regime. Se déssemos exemplos, teríamos centenas de nomes, mas a descrição minuciosa de somente um deles demonstrará quão árdua e perigosa foi, e é, a missão dos homens que arriscaram, e arriscam, a própria vida pelo amor à pátria.

Num domingo do mês de outubro de 1939, no gabinete do Almirante Karl Doenitz, comandante da frota submarina alemã, o alto chefe dialogava com um jovem oficial, comandante de um submarino. Este último - que não era outro senão o mais tarde famoso Gunther Prien - escutava em silêncio as palavras de seu superior. Doenitz, debruçado sobre um grande mapa de operações, disse: "Tudo depende de um ataque rápido e de surpresa. Scapa Flow tem sete entradas. Se um submarino fosse capaz de penetrar nela, apesar da rápida e traiçoeira corrente... Isto pode ser feito e creio que você é o homem indicado... ".

Almirante Canaris
Em seguida, Doenitz entregou ao Comandante Prien algumas folhas de papel datilografadas, e vários diagramas e mapas. Aquela documentação de valor inapreciável havia sido entregue ao Alto-Comando alemão da frota por um dos melhores agentes alemães que operavam na Grã-Bretanha. O espião, Albert Oertel, havia chegado à Inglaterra em 1927, procedente da Suíça. De acordo com o declarado às autoridades inglesas, era um relojoeiro que desejava radicar-se na Escócia.

Na realidade, aquele relojoeiro suíço não era uma coisa nem outra. Tratava-se, na verdade, de um ex-oficial da marinha alemã, chamado Alfred Wehring, especialmente treinado para espião.

Depois de sua chegada à Grã-Bretanha, Wehring radicou-se definitivamente na cidade de Kirkwall, em Orkneyes, perto de Scapa Flow, a importante base naval.

Oertel - Wehring, na realidade tornou-se um ótimo vizinho dos habitantes do lugar. Era amável, cortês e sumamente inclinado a criar amizade com seus clientes. Porém, no segundo andar de seu pequeno negócio, Oertel ocultava um minúsculo rádio de onda curta, com o qual se comunicava regularmente com o continente; através daquelas mensagens, o serviço de informação alemão tinha observações detalhadas dos movimentos dos barcos ingleses, as particularidades da base e um sem-número de detalhes técnicos que o relojoeiro suíço averiguava por meio de suas inocentes conversações com os oficiais britânicos que chegavam até ele. Paralelamente, era através da correspondência que chegava da Suíça, aparentemente de sua longínqua família, que ele recebia as instruções de seus chefes.

Ao começarem as hostilidades, Oertel recebeu uma carta na qual comunicavam o falecimento de sua velha mãe. Angustiado pela notícia, o relojoeiro apressou-se em viajar ao continente. Dois dias mais tarde, Oertel embarcava em Leith, num barco que se dirigia para Roterdã. Em seu poder, cuidadosamente cosidos no forro de sua jaqueta, levava cartas secretas, diagramas e esboços de Scapa Flow, minuciosamente detalhados. Ao chegar a Roterdã, Oertel dirigiu-se ao Hotel Comércio, onde o esperava Fritz Burler, chefe do serviço de espionagem alemão na Holanda. Juntos, imediatamente dirigiram-se para Haia, onde o Barão von Bulow, importante chefe da espionagem alemã, os esperava. Este, depois de olhar a documentação levada por Oertel, compreendeu que estava de posse de valiosíssima informação, que deveria ser enviada imediatamente ao Almirante Canaris.

Em seguida, depois de cumprir sua missão, Oertel regressou à Inglaterra, decidido a continuar com sua tarefa de informação.

No mês de outubro, Oertel comprovou que as defesas da base possuíam falhas que estavam sendo reparadas urgentemente. Era necessário agir sem vacilação, e assim o fez. Minuciosas e detalhadas investigações permitiram a Oertel comprovar qual era o setor que ainda se encontrava indefeso e exposto à penetração de um barco inimigo.

Na tarde do mês de outubro, quando conseguiu a citada comprovação, Oertel fechou sua loja mais cedo que de costume e subiu rapidamente ao segundo andar. Ali, emitiu pelo rádio a senha convencional e esperou. Depois de estabelecida a comunicação, irradiou sua preciosa informação: "Scapa Flow está indefesa... ".

A mensagem de Oertel chegou ao quartel-general do Almirante Doenitz, da Kriegsmarine. Doenitz compreendeu que um pequeno atraso seria fatal, pois as entradas expostas seriam logo reparadas. O golpe, pois, deveria ser dado imediatamente. Foi quando conversou com o Comandante Prien.

A conseqüência do anteriormente exposto não se fez esperar. Na noite de 13 de outubro de 1939, o submarino alemão U-47 deixou o porto de Kiel. O Capitão Prien, que estava no comando do barco, era o único que sabia do objetivo da missão e suas ordens eram para não revelá-lo, até o último momento.

Ao cruzar as perigosas correntes da entrada da imponente base naval britânica, o U-47 subiu quase até a superfície. Em seguida, o periscópio percorreu minuciosamente a área de Scapa Flow. Atracado junto à costa encontrava-se o Royal Oak. O U-47 acercou-se lentamente de sua presa, até uma distância em que era impossível errar a tiro. Uma breve ordem partiu de Prien: "Fogo!" Depois de alguns segundos deu-se uma explosão terrível. Dois torpedos mais foram disparados ainda contra o Royal Oak.

A cena que se seguiu foi dantesca. Em meio às sombras da noite, as explosões sucediam-se ininterruptamente, destroçando o enorme barco. Entretanto, velozes caça-torpedeiros e lanchas torpedeiras sulcavam as águas, buscando, com seus refletores, o agressor. Prien, porém, com maestria e com uma incrível sorte, conseguiu escapar dali sem nada sofrer. Sem dúvida, esta empresa jamais teria sido realizada se não fosse a decidida e audaz intervenção de Alfred Wehring, o oficial naval alemão que havia adotado a personalidade de Albert Oertel, o pacífico relojoeiro. Depois do episódio, Wehring abandonou silenciosamente seu negócio e desapareceu tão misteriosamente como havia chegado.

O episódio Wehring-Oertel é típico e se repetiu várias vezes, em diferentes lugares e com diversos protagonistas. Em todos, porém, houve um denominador comum de sacrifício: silêncio e tensão insuportáveis para alguém que não possua nervos de aço.


Espionagem americana

No campo aliado, paralelamente, alternativas das mais variadas dificultaram a tarefa dos serviços de informação. Vejamos o Caso Donovan. Em janeiro de 1942, numa entrevista que o então Presidente Roosevelt manteve com William Donovan, o presidente, sem preâmbulos, afirmou que os Estados Unidos careciam de um Serviço de Informação capaz e efetivo. Donovan era o chefe do Bureau Coordenador de Informação, departamento organizado antes do ataque a Pearl Harbor e integrado por várias dezenas de investigadores das mais variadas especialidades. Eisenhower, anos mais tarde, no fim da guerra, expôs uma opinião semelhante, ao dizer: "A Europa estava em guerra há um ano, quando a América alarmava-se ante o estado de suas defesas... O obstáculo maior era... a indiferença. Inclusive quando a França caiu, em maio de 1940, não tínhamos ainda conseguido despertar de nossa inércia... No Departamento de Guerra havia uma surpreendente deficiência que dificultava todos os planos construtivos no campo da informação... A posição de órfã da Seção G-2 em nosso Estado-Maior era comprovada de várias formas. Por exemplo, quase sem exceção, a G-2 esteve sob o comando de um coronel. Isto, em si, não é grave, pois era preferível colocar à frente da seção um coronel capaz do que um general medíocre; mas vê-se claramente que o exército não se dava conta da importância do serviço de informação...".

William Donovan
Porém, devemos destacar que, apesar das opiniões de Eisenhower e Roosevelt, os serviços de informação dos Estados Unidos cumpriam acertadamente suas ordens. Devemos destacar, ainda, o serviço criptográfico do exército e da marinha, que funcionava melhor do que nunca e decifrava as mensagens mais confidenciais do inimigo.


Quando começaram as hostilidades, cada uma das frotas japonesas foi provida de vários sistemas de chaves, cada um dos quais era trocado regularmente. Porém, os criptoanalistas americanos descobriram suficientes senhas, nas telecomunicações japonesas, para ter uma idéia mais ou menos exata das intenções e disposições japonesas. Estas chaves incluíam o volume do tráfego, a repetição de certas letras de chamada, a longitude das mensagens e os tipos de chaves que eram empregados. Todos estes detalhes foram catalogados até que se chegou a uma conclusão muito clara: o Almirante Yamamoto preparava-se para outra ação de grande importância. Para determinar o objetivo de seus preparativos, os japoneses faziam referência ao mesmo com os letras AF e essas duas letras podiam significar muitíssimos lugares: Midway, Havaí, as Aleútas, etc. Nestas circunstâncias, na primavera de 1942, fez-se necessário saber exatamente a que ater-se. Foi então que o Almirante Nimitz pôs em prática uma armadilha que daria o resultado esperado. Nimitz ordenou ao Comandante Cyril Simard, de Midway, que informasse pelo rádio a Pearl Harbor que o abastecimento de água potável do atol fôra interrompido. A mensagem foi transmitida numa linguagem que os japoneses puderam interpretar facilmente.

No terceiro dia aconteceu o esperado. Uma das mensagens japonesas interceptadas dizia que em AF havia dificuldades no abastecimento de água potável.

Yamamoto, indubitavelmente, havia sido derrotado pela criptografia americana. E, mais tarde, haveria de sucumbir nas mãos da mesma. Foi quando o almirante empreendeu a sua última viagem. A notícia da viagem foi interceptada pelos criptoanalistas americanos e foi preparado a armadilha fatal.

Uma nomeação implicaria num notável melhoramento na situação da espionagem americana, em maio de 1942, quando o General Strong foi designado para chefiar a Seção G-2.

Strong foi indicado pelo General George Marshall, levando em conta não somente seus merecimentos em relação às tarefas de informação, mas também sua conhecida decisão e energia indômita.

O primeiro ato de Strong foi partir para Londres para estudar o terreno e o funcionamento dos serviços de inteligência britânicos. Quando voltou, Strong montou nos Estados Unidos uma organização inteiramente nova. Um de seus principais colaboradores foi "Wild Bill" Donovan, sob as ordens do Escritório de Serviços Estratégicos (SSO). Este foi dividido em três ramos paralelos. O primeiro foi o "R e A" (investigação e análise); o segundo era o "MO" (operação Morales), que dirigia a propaganda com o fim de minar a resistência do inimigo e enganá-lo por todos os meios possíveis; a terceira era o "SI" (informação secreta), centro vital da organização, que compreendia o grupo de espiões e sabotadores.

No decorrer da guerra, o SSO empregou mais ou menos 20.000 pessoas. Os integrantes do SSO eram pessoas de todas as classes e níveis sociais e culturais; havia entre eles desde Prêmios Nobel até indivíduos de baixo caráter.

Sob a direção de Donovan, o serviço de inteligência começou a funcionar, afinal, efetivamente. Suas façanhas, ocultas no momento, viriam à luz anos depois, no fim da luta.


Os segredos da espionagem 

O que narramos a seguir ilustra bem os múltiplos e estranhos recursos que a espionagem tem que pôr em prática com o objetivo de obter a informação. "Já fazia bastante tempo que o adido militar da embaixada americana estava conversando com o funcionário russo. Uma série de assuntos haviam sido abordados, e o russo falava sobre o interessante terreno das cifras de produção. O militar americano disse a si mesmo que este era o seu dia de sorte. Conversavam num discreto recanto de um restaurante moscovita e as mesas próximas estavam desocupadas. Ninguém poderia escutá-los. O americano oferecera a seu informante uma boa recompensa em troca de futuros dados. 

"O oficial americano reparou que seu copo estava vazio. Tinha sede e viu que na mesa ao lado, desocupada, havia um martini solitário. Interrompeu o diálogo e foi buscá-lo. Quando estava levando à boca a azeitona do martini, notou que algo estava para acontecer. Um garçom correu até ele, gesticulando e dizendo, atropeladamente: "Um momento... um momento... esta bebida não é para o senhor". 

"Já era tarde. O militar mordera a azeitona e um dos seus dentes estalou ao chocar-se com uma superfície metálica. A azeitona era um minúsculo transmissor de transistores. O palito era a antena. Toda a conversação que acabava de ter com o funcionário russo havia sido captada da mesa vizinha e registrada por um gravador oculto." 

Este fato foi divulgado pela revista americana Time e por várias revistas especializadas em eletrônica, demonstrando até que ponto os métodos de espionagem haviam-se aperfeiçoado, graças ao progresso da ciência. 

A imprensa explorava os casos mais escandalosos da espionagem eletrônica, principalmente os que afetavam as embaixadas de países ocidentais atrás da Cortina de Ferro. Entre eles houve um que se destacou por sua audácia e pela extraordinária perícia técnica posta em prática, dando origem a uma competição entre os Estados Unidos e a União Soviética no campo da eletrônica. Nos referimos ao descobrimento de um minúsculo microfone colocado no escudo dos Estados Unidos, situado atrás da cadeira do embaixador americano na União Soviética. 

Um especialista na matéria, que participou da busca do microfone, declarou, confidencialmente: "Os russos haviam progredido muito nesta arte. Não estávamos equipados para detectar o aparelho, porque os russos haviam instalado, no edifício em frente, um enorme transmissor sintonizado para interferir nas ondas de nossos detectores, quando estes aproximavam-se da cavidade do microfone; esse transmissor funcionava num espectro de freqüência ultra-elevada, que não estávamos em condições de captar". 

Para descobrir este microfone foi necessário demolir o escritório do diplomata, e talvez nunca os americanos houvessem suspeitado de sua existência se os ingleses não houvessem percebido em sua própria embaixada um sinal de rádio que não puderam identificar. 

Espionagem fotográfica 

Em meados de junho de 1942, o Serviço de Informações da Marinha italiana comemorava a aquisição de um dado de capital importância com respeito aos comboios britânicos e à proteção dos barcos de guerra. Tanto uns como outros estavam protegidos por redes de defesa contra torpedos. A informação, de grande importância, não havia sido obtida pelos clássicos meios da espionagem. Nenhum espião poderia proporcionar a rigorosa exatidão e o preciso realismo da imensa ampliação fotográfica, em cores, que se estendia ante os olhos dos oficiais italianos. 

O progresso técnico das últimos décadas abria novas possibilidades aos antigos métodos de espionagem (clandestinidade, risco e intriga), com o acervo de outros métodos de informação, mais seguros e diretos: a fotografia aérea, a interceptação de mensagens radiotelegráficas e, mais tarde, o radar. 

Os alemães, possuidores de uma tradição na indústria de instrumentos de precisão, dispunham, nessa época, de meios mais avançados para a obtenção de fotografias aéreas. 

A Luftwaffe atacava silenciosamente, acionando o disparador de suas poderosos câmaras, ao mesmo tempo que abria as escotilhas das bombas. Foi a Luftwaffe que, ao chegar ao Mediterrâneo, começou a prover a marinha italiana de fotografias aéreas das bases navais e das formações inimigas. 

Dia a dia, os posições da frota britânica eram fotografados e estudadas comodamente, graças às gigantescas ampliações, em cores, que eram recortadas e preparadas de tal maneira que, ao serem observadas através de lentes especiais, ofereciam uma visão panorâmica, estereoscópica e tridimensional. 

Assim, antes de lançar-se ao ataque contra os encouraçados de Alexandria, a marinha italiana conhecia com precisão todos os pormenores da rota a seguir e estava em condições de averiguar todas as variações que se produzissem na mesma, eventualmente.

Fonte: http://adluna.sites.uol.com.br/400/499-09.htm


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Theresienstadt (Terezin) e Auschwitz: música sob o signo do Holocausto



Terezin (Theresienstadt) em 1941









A música não era sagrada para o regime nazista. Mesmo nos campos de extermínio ela era meio de diversão, elemento tranqüilizador e álibi para o regime. Mas também a possibilidade de fuga interna e forma de protesto.






O campo de concentração Terezin (Theresienstadt) ficava a 60 quilômetros da capital da então Tchecoslováquia, Praga. Para dezenas de milhares de prisioneiros tratava-se de uma estação de passagem para as câmaras de gás de Auschwitz. Para o regime nazista, era um assim chamado “campo-modelo”.


De início, toda e qualquer atividade artística era punida com a morte. O que não impediu muitos condenados de inventar todo tipo de artifício para não se separar de seus instrumentos. Um violoncelo – grande demais para passar despercebido – era, por exemplo, desmontado, e, uma vez dentro do campo, o músico voltava a colar suas partes. Com esses instrumentos contrabandeados, realizavam-se concertos secretos nos porões ou sob os telhados de Terezin.

Alta qualidade musical

Logo, os mentores do Holocusto perceberam como explorar até mesmo a energia artística “ilegal” dos sofridos detentos. Exibir a rica atividade musical em Terezin era uma forma de provar à opinião pública que as notícias sobre os horrores dos campos de concentração não passavam de propaganda dos inimigos do nacional-socialismo, legitimando as atividades do regime. Só para quem quisesse ser enganado, é claro.

O fato de cada vez mais atores, diretores, cientistas e músicos serem confinados aos guetos garantia produção musical de alta qualidade em Terezin. Entre os detentos contavam Peter Deutsch (ex-regente da Orquestra Real de Copenhague), o libretista Leo Strauss e compositores como Pavel Haas, Viktor Ullmann e Hans Krása. Uma ópera infantil deste último, Brundibar, chegou a ser utilizada pelos nazistas como instrumento de propaganda.

Música de um judeu para a propaganda nazista

Anna Flachová, sobrevivente do “lar de meninas” L410 de Terezin, relembra como, durante a realização de um filme de propaganda, ela e suas companheiras receberam a incumbência de cantar a obra de Krása, “para mostrar à Cruz Vermelha e a todo o mundo como se vivia bem em Theresienstadt. Mas era tudo mentira”. O cínico roteiro do filme visava mostrar Hitler presenteando aos judeus uma nova cidade.

Os ensaios da ópera infantil composta em 1938 realizaram-se num porão, acompanhados por piano, ou apenas por um acordeão. Dependendo de se os músicos podiam permanecer ou se eram subitamente transportados para Auschwitz, havia por vezes uma pequena orquestra.

Apesar de tudo, Anna Flachová adorava Brundibar, não só pela alegria de cantar, como pelo reencontro, ainda que por alguns momentos, com a infância roubada: “Sentíamos falta de ser ainda crianças”. Brundibar foi executada 55 vezes em Terezin, porém a maioria dos participantes não sobreviveu aos anos da Segunda Guerra.

Silêncio em Terezin

No campo tchecoslovaco, não apenas se executava música, como também se compunha intensamente. Viktor Ullmann (Der Kaiser von Atlantis) lá produziu muitas de suas obras, e o jovem e promissor pianista Gideon Klein completou seu Trio de cordas apenas nove dias antes de ser deportado para Auschwitz.

“Carrega-se o pesado destino como se não fosse tão pesado, e se fala do futuro melhor como se já fosse amanhã”: esta é uma citação de Als ob (Como se), uma das numerosas canções com textos de Leo Strauss. Os versos contêm uma crítica velada a seus companheiros de cativeiro, que mesmo em Terezin cultivavam a esperança e se alimentavam de ilusões.

Entretanto, em 16 de outubro de 1944 quase toda música emudeceu em Terezin. O trem de transporte ER 949 levou Haas, Ullmann e Klein, entre outros, para Auschwitz. Os mais idosos, como Hans Krása, foram diretamente para a câmara de gás, após o desembarque.


Pausa musical em Auschwitz

O próprio campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, possuía uma orquestra feminina, com cerca de 50 instrumentistas, entre 17 e 20 e poucos anos de idade, sob a regência de Alma Rosé, além de outras dez, que copiavam as peças a mão.
Prisioneiras de Auschwitz

Para que música na sala de espera da câmara de gás? Claro, para os de fora, a existência dessa orquestra era um álibi, a falsa prova de que os internos viviam em condições humanas. Mas também não faltavam verdadeiros melômanos entre os oficiais da SS, entre eles o abominável Dr. Josef Mengele, apelidado o Anjo da Morte, extremamente musical e que, mesmo durante o exílio na América do Sul, não deixava de freqüentar concertos. Outros, como Adolf Eichmann, exigiam entretenimento durante a inspeção dos campos.

As musicistas eram confrontadas diariamente com uma amarga tarefa: cronicamente subnutridas, executar música de forma convincente, para os assassinos de suas famílias e amigos, e possivelmente seus próprios futuros algozes. Um precário prolongamento da vida, que podia acabar numa nota mal tocada.

Regente-heroína

Apesar dos relativos privilégios de que gozavam as instrumentistas, música era acima de tudo uma forma de trabalho forçado em Auschwitz, envolvendo um mínimo de 10 a 12 horas diárias de ensaios. Além disso, a qualquer hora um oficial podia resolver escutar sua melodia favorita, e neste caso as mulheres tinham que estar sempre a postos.

Outra cruel função da orquestra feminina era tranqüilizar os novatos, que acabavam de chegar ao campo após viagem massacrante no vagão de carga de um trem.

Nesse contexto de vida ou morte, a figura da regente Alma Rosé toma proporções de heroína. Com enorme habilidade psicológica, ela conseguiu durante anos manter o difícil equilíbrio entre o rigor necessário à disciplina da orquestra e o calor humano indispensável à sobrevivência mental de cada uma das mulheres sob a sua batuta. Até hoje, algumas das musicistas de Auschwitz afirmam dever a vida a essa mulher.